A tradição do teatro popular de bonecos também encontra espaço no Sul do Brasil. Engana-se quem pensa que essa cultura seja uma característica apenas da região Nordeste do país, onde o fantoche típico costuma ser representado como um símbolo da identidade local. No município catarinense de Rio do Sul, no Alto Vale do Itajaí, uma companhia se dedica há 33 anos ao teatro de animação de modo independente. A Trip Teatro conclui no mês de julho uma turnê pelos três estados da região Sul do Brasil, com a peça Kasperl e a cerveja do Papa. Com passagens por Porto Alegre (RS), Ponta Grossa, Curitiba (PR), Blumenau e Rio do Sul (SC), essa circulação do espetáculo incluirá também uma apresentação em Joinville (SC). A Trip Teatro se apresenta na cidade nesta sexta, 21, sábado, 22, e domingo, 23 de julho, em diferentes locais (conferir serviço abaixo). Nas três ocasiões, a população terá a oportunidade de prestigiar uma das expressões da cultura do Sul do país.
Essa turnê pelos três estados da região sul é possível por meio de uma parceria com o Ministério da Cultura, via Lei de Incentivo à Cultura. O espetáculo inicia a celebração das imigrações alemãs para o Brasil, que completam 200 anos em 2024. Com atuação e manipulação de Willian Sieverdt, responsável por dar vida a dez personagens diferentes na peça, e trilha sonora de Rodrigo Fronza, Kasperl e a Cerveja do Papa resulta de uma longa pesquisa desenvolvida pela companhia. Com duração de 5o minutos, a montagem contou com cooperação internacional: o espetáculo tem a direção de Paco Parício, que é pesquisador da cultura popular em geral na Europa. Os bonecos manipulados na peça integram uma coleção original alemã do final do século XIX que foram doados pelo Museu Casa de Los Títeres, da Espanha, à Trip Teatro.
Sobre a peça
O espetáculo Kasperl e a Cerveja do Papa tem como base a chegada da notícia da visita do papa num antigo mosteiro, conhecido por produzir a melhor cerveja da região. A montagem se concentra nas confusões e desdobramentos decorrentes deste anúncio. Além de permitir um olhar para o passado dessa manifestação artística popular dos bonecos, a produção contempla ainda outro aspecto cultural e econômico com traços das tradições germânicas: a cultura cervejeira. A obra evidencia o fazer cervejeiro artesanal e sua interface com o turismo e a economia criativa, não faz apologia ao consumo de álcool, apenas difunde os saberes em torno desse conhecimento artesanal. Garantia de boas risadas para toda a família, a peça é provocativa e tem a indicação etária livre, buscando alcançar crianças e adultos. O esforço da companhia foi por evitar um tom “adocicado” assumido por Kasperl, mas buscar as raízes dessa manifestação cultural, com um viés mais vigoroso e de protesto, conectado com o cotidiano das pessoas.
Nas suas pesquisas, a companhia descobriu que entre imigrantes germânicos para Santa Catarina, vieram também alguns bonequeiros que desenvolveram essa manifestação do teatro de bonecos popular alemão entre as décadas de 1950 e 1960 em municípios como Jaraguá do Sul, Blumenau, Pomerode e Rio do Sul. “Por isso, a peça recupera uma tradição, junto com a música e a cerveja”, define o idealizador e diretor da Trip Teatro, Willian Sieverdt, que dá alma ao boneco Kasperl. A trilha sonora desempenha um papel à parte na peça: “O acordeon era um instrumento que queríamos usar desde o início, por ser muito utilizado nas músicas folclóricas alemãs”, lembra o músico Rodrigo Fronza que criou a trilha sonora e a executa ao vivo, também com o uso do violino do diabo, ou teufelsgeige, típico da cultura germânica. A primeira busca do processo de criação foi um tema para o personagem Kasperl, uma trilha conduzida pela sua ação em cena, tentando firmar essa estética do início ao fim.
Para o ano que vem, a companhia prevê um novo projeto, em alusão aos 200 anos da imigração alemã para o Brasil, com circulação planejada para dezenas de cidades. A intenção é levar não apenas a peça Kasperl e a Cerveja do Papa mas também o espetáculo O Flautista de Hamelin, inspirado numa lenda alemã.
Trajetória da companhia
A Trip Teatro se confunde com a trajetória de seu fundador, Willian Sieverdt. Aos 12 anos, ele ingressou num grupo de teatro, ligado à Fundação Cultural de Rio do Sul, e nunca mais parou. Quatro anos depois, teve a primeira experiência com o teatro de bonecos, com a passagem de uma companhia pela cidade. A partir da experiência de encantamento, sugeriu que a mãe, costureira, construísse seus próprios fantoches. Ele e um amigo montaram então algumas esquetes, e se apresentaram pela primeira vez numa festa de aniversário. O calendário marcava dia 12 de outubro de 1989, e a comemoração era uma alusão ao Dia das Crianças. Foi o marco de fundação da Trip Teatro. Ali, a dupla recebeu o primeiro cachê e surgiram outros contratos. Alguns dos clientes nesse período foram sindicatos de trabalhadores que viam no teatro de bonecos a oportunidade e potência da reflexão em torno de denúncias das condições de trabalho.
Em seguida, montaram o primeiro espetáculo A doce vida de um dentinho, com caráter pedagógico, sobre os cuidados da saúde bucal. Juntos, ainda produziram O duelo da sabedoria, sobre a importância da leitura e da educação. “Depois a gente descobriu que o que eu fazia não era o que eu deveria estar fazendo, eu não estava cumprindo meu papel como artista”, reflete criticamente Sieverdt, ao se referir à preocupação com certa “lição de moral” dos espetáculos inicialmente. Percorreram diversas escolas da região com as peças. O valor cobrado pelos ingressos sempre tinha como referência o preço de um refrigerante. Quando a dupla se desfez, Willian preferiu ficar com os bonecos e o amigo ficou com a estrutura da peça. Com a maturidade, veio a autocrítica: “Meu papel como artista é sensibilizar, não educar. Educar cabe à escola. Mas se conseguir sensibilizar, a educação se torna mais fácil. Sem a preocupação de ensinar algo”.
A concepção de que o teatro seja arte e não apenas um instrumento pedagógico ajudou a construir os próximos passos na trajetória percorrida pelo grupo. Tal mudança ocorreu em 1996, quando Willian Sieverdt montou a peça O Velho Lobo do Mar, com a intenção inicial de fazer apresentações no litoral catarinense, aproveitando o período de férias escolares. Nessa época, Sieverdt foi pela primeira vez ao Festival Théâtres de Marionnettes – Charleville Mézières, na França, o maior do gênero no mundo. Uma mobilização popular em busca de recursos entre a comunidade local lhe garantiu as passagens para a Europa. Participou de cinco festivais seguidos. A companhia Trip Teatro logo alcançou visibilidade e reconhecimento internacional. O grupo se apresentou em todos os estados brasileiros, além de 14 outros países e três continentes (América do Sul, Europa e Ásia).
Acumula passagem por festivais mundo afora. Recebeu prêmios importantes, como Medalha do Mérito Cultural Cruz e Sousa, concedida pelo Conselho Estadual de Cultura de Santa Catarina (em 2012). A Trip Teatro soma em seu repertório diferentes espetáculos. Sua montagem mais antiga é O Velho Lobo do Mar. Reúne também O Incrível Ladrão de Calcinhas, a maior produção do grupo e cuja estreia ocorreu em 2005, O Flautista de Hamelin (2008), SóFridas (2014), Sou Lenda sou Maria (remontagem, 2019) e Kasperl e a Cerveja do Papa (2019). Comprometida com o desenvolvimento da cultura catarinense e da região onde está inserida, mantém em Rio do Sul um espaço cultural inusitado: o Teatro Embaixo da Ponte. Sob uma das pontes mais movimentadas do Centro, o local abriga apresentações artísticas abertas ao público em geral.
Programe-se!
Espetáculo Kasperl e a cerveja do papa, da Companhia Trip Teatro.
Dia 21 de julho (sexta-feira) | às 20h | AMORABI – Associação de Moradores do Bairro Itinga Rua dos Esportistas, 510 – Itinga, Joinville – SC.
Dia 22 de julho (sábado) | às 20h | Associação Joinvillense de Teatro AJOTE.
Rua Quinze de Novembro, 1383 – América, Joinville – SC.
Dia 23 de julho (domingo) |às 15h |Parque Gutbrau Vila Nova
Estr. Motucas, 3122 – Vila Nova, Joinville – SC
Workshop
Dia 22 de julho (sábado) | às 9h | Associação Joinvillense de Teatro AJOTE
Rua Quinze de Novembro, 1383 – América, Joinville – SC